quinta-feira, 31 de março de 2016

Não existe na vida acasos sem explicação







Jimmy era um artista da época. Nada muito primoroso, mas pintava seus quadros e fabricava suas porcelanas e as vendiam nas feiras europeias. Casado recentemente viu-se obrigado a participar da guerra 1915 por conta da baixa contingência, prestou serviço ao país e conseguiu voltar vivo, mas não de todo completo. Jimmy voltará surdo, devido a uma explosão bem próxima a sua cabeça; e agora se descobriu viúvo, pois sua esposa fraca e debilitada morrera de tuberculose.

Jimmy herdara de seus pais uma fazendinha, bem acanhada, mas que servia bem aos seus propósitos de casal recém-casados.

Esse pequeno pedaço de chão, era bem servido de água, corria um riacho abundante por dentro de suas terras, o que dava sustentação a todos os outros fazendeiros circunvizinhos.

Jimmy já vivia sozinho pelo menos dois anos, e tinha grande amizade e consideração por todos.
Logo nas terras de uma fazenda próxima viviam uma pequena família holandesa os Vandersons, cujos familiares encontrava-se uma moça bonita, porém não tão jovem, com uma filha de oito anos. Walkiria tinha sido seduzida na região quando mais moça e o rapaz fugira para Alemanha deixando ela e sua família com a desonra completa. O pai já no limite da idade do trabalho se via numa difícil situação. Ou arrumava um genro para ajudar na lida diária da fazenda. Ou um homem rico para filha que a aceitasse com a neta.

Walkiria era uma mulher bonita, mas simples de beleza clássica, com longos cabelos loiros avermelhados, olhos azuis, magra - tinha uma aparência jovial, porém era arredia e amargurada com a vida.

A mãe sonhava com um futuro promissor, porém o mundo não obedece a sonhos e nem regras.
O patriarca certo que encontrará em Jimmy a pessoal ideal para a filha tratou logo de fazer o convide para visitação e compromisso futuro, caso tudo ocorresse bem.

Jimmy frequentava a casa dos Vandersons quase que semanalmente. Fazia o tipo que “agradava os sonhos do sogro”, não fedia e nem cheirava para a sogra e desagradava completamente a futuro esposa.

Por mais que Walkiria fosse bem educada. Ela tinha na figura de Jimmy um cara comum. Nada brilhante. Nada sedutor. Um artista de praça como outro qualquer. Não havia paixão, nem muito menos expectativa de amor. E a coisa só revelava desastroso, quando Jimmy tentava falar com ela. Por causa da surdez, as pessoas vão perdendo o controle de timbre da voz e por consequência sai às vezes entre cortada ou gritando. E isso deixava Walkiria constrangedoramente avessa ao casamento e a vergonha de tê-lo como marido.

Os dias foram se passando, Walkiria não mudava de concepção. Mas o pai dela era irredutível:
- Ou você se casa e consegue sustento para você e nossa neta, ou vai ter que trabalhar na lida comigo, pois eu não tenho forças e nem dinheiro para empregados – sentenciou o pai.

O casamento de ambos foi simples, numa capela dentro das cercanias da região e Walkiria e Jimmy foram morar na casa dele.

Walkiria impôs condições bem pessoais ao Jimmy, escreveu seguinte bilhete:
- Não dormirei com você, sim com minha filha!  Até que exista amor, o que eu duvido, nós vamos ser um casal para fora e apenas estranhos que moram juntos. Concorda?

- Se não concorda vou morar com minha família e trabalhar pelo sustento de minha família.
Jimmy acenou com a cabeça que sim: concordava.

Todo o dia Jimmy levantava cedo, fazia o café para a filha de Walkiria, consertava as janelas, ajeitava a varanda, começou a construir um cercadinho para uma hortaliça, outra para um jardim bem simples e bonito de pedras polidas encontradas em rios, arava e fazia o plantio necessário da colheita para subsistência familiar. À tarde ele pegava seus trabalhos de artista como pinturas e porcelanatos e deixava a fazendinha para vendê-las na cidade.

Não antes de tudo isso, Jimmy deixava todos os dias na cama de sua esposa, que não era esposa, um bilhetinho com uma rosa pintada por ele, representando o que ele via nos quadros e um até logo.
Walkiria nunca achara isso romântico, nunca disse nada contra, mas rasgava e queimava todos os bilhetes e jogava na lareira.

Um ano havia se passado e essa rotina de falta de sentimentos não mudava no coração da moça; mas nem por isso Jimmy deixava de fazer seus afazeres e a privilegiar com novos bilhetinhos. Jimmy conseguiu comprar um cavalo e um pônei para a menina, deixando ela feliz e por tabela Walkiria tinha o que fazer com passeios no final de tarde.

O pai dela desconfiava da postura depressiva da filha e avisou que isso não poderia continuar.
Walkiria até tentou, mas foi uma só vez e achou a intimidade com Jimmy um fracasso total. E nunca mais tentaram.

A hortaliça estava repleta de legumes grandes e bonitos
O jardim crescera florido, cheio de rosas, copos de leite, girassóis e outras plantas lindas.

Até que um dia, Jimmy teve de  pegar um trem para expor na Bélgica seus trabalhos e partiu logo cedo. Deixando no bilhete pinturas que a retratavam e sua filha cavalgando em suas tardes com sorrisos nos rostos e abaixo uma rosa característica de sua marca em todas as assinaturas.
- Volto amanhã, beijos Jimmy.

Ela ficou logo ruborizada e com raiva por aquele homem insistente em fazer nascer coisas nela que não existiam mais – ou nunca foi real.
Queimou dessa vez com muita raiva.
Dois dias depois Jimmy não retornara à sua casa.
Noticias vindas da Bélgica davam conta que um trem havia descarrilado e muitas mortes e alguns sobreviventes.

Jimmy foi encontrado entre esses sobreviventes, com traumatismo craniano e em coma permaneceu.
Durante dias, amigos, conhecidos, todos prestavam serviços para Jimmy. Ficavam no hospital velando sua recuperação.
Menos sua esposa. Que um dia ou outro ia, passava um tempo e voltava para casa.
Mas, Jimmy sempre teve um amigo que propusesse ficar. E assim os dias se passavam e Walkiria começou a ter problemas na fazendinha.  As coisas sem Jimmy não eram as mesmas. As hortaliças não cresciam mais. As rosas, flores e outras belas plantas não desabrochavam.
O arado estava parado
Os animais arredios
A Casa estava escura

E aquela luz com sua presença, não mais tinham a sua volta.
Pior eram os dias que acordava. Nada de bilhetinho.
O mundo que ela tanto se maldizia, reclamava, tinha como castigo divino nem mesmo existia.
Walkiria resolveu frequentar por mais tempo o hospital, a fim de ver qual era a situação real de seu “marido”.

Todos os dias quando chegava, sempre encontrava alguém que estava cansado, mas feliz. Gostava de contar algo sobre Jimmy. Ria das coisas que Jimmy fazia. Elogiava o amor dele pela esposa, tão demonstrada nas suas pinturas. Jimmy nunca fez nenhuma menção de tristeza, vitimização quanto ao seu casamento.

Os médicos disseram que pela demora, o quadro parecia ser insustentável, hospital não teria recursos de alojar uma enfermaria e profissionais por mais tempo. E tão logo as próximas duas semanas ele teria de receber alta acordado ou não. E provavelmente sem dinheiro ele em casa não sobreviveria
Walkiria passou a ver aquele homem dormindo com outros olhos. Suas mãos calejadas, machucadas da lida na fazendinha, contrastavam com a figura de pintor e artista que sempre teve na região. Jimmy havia se entregado de corpo e alma na tarefa de trazer subsistência para sua família, fazendo as duas coisas. Jimmy nunca deixara que problemas o afetassem na vida. Nunca levantará a voz com ela, ameaçou, tocou-a indevidamente.
Jimmy fez por todos os anos sempre sua parte resignada sim, mas com primazia, objetividade e amor.
Aquele homem possivelmente morreria muito em breve, mas não antes de ter marcado a todos os que com ele conviveram

Daquele dia em diante, Walkiria passou a ter cuidados especiais no hospital com Jimmy:
Banhos matinais
Dormia, levava flores e obras suas para serem vendidas na cidade.
Ela sentia-se responsável com aquele homem que só construiu amor
A cada dia que ela ofertava um quadro de Jimmy, ela era lembrada que ele tinha sua família como inspiração. E a cada agradecimento recebido por amigos e clientes dele, ela ia mais e mais se abrindo e sendo enterrada nas suas emoções tolas, frívolas, de quem só pensava em si mesmo todo esse tempo.
Faltando um dia para o hospital retirar Jimmy do leito, na noite que antecederia isso. Walkiria havia sonhado que Jimmy deixara um bilhete para ela a mesma imagem dela e sua filha passeando nas tardes a cavalo, mas com ele junto sorrindo e dizendo:
- Voltei minha flor

Na manhã de 23 de Maio de 1923, acordava uma mulher com uma rosa na mão. Seu marido Jimmy estava acordado de olhos abertos.
Ela atônita, não sabia de onde viria a rosa (coisas que só Deus adora pregar peças).
Jimmy surpreso olhava Walkiria radiante de felicidade com as duas surpresas, por sinal: as melhores que tinha acontecido em toda sua vida.

Jimmy tentara falar, mas lembrou do quanto isso irritava Walkiria e pediu lápis e papel.
Walkiria disse:

- De hoje em diante quero ouvir você sempre, para vida toda.


Moral da historia:
Nem sempre é pela perda que se sente a falta. Às vezes é na atitude de ir lá e ver a visão da vida do outro. Se colocar no lugar. Observar os amigos, as pessoas ao redor. Parar de se achar vitima. Parar de comparar as pessoas, deixar de procurar coisas pelos outros. Avaliar a vida pelo que se tem e recebe. Amar doando-se é que se recebe a verdadeira lição.

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