terça-feira, 17 de maio de 2016

Escolhendo viver





Não vejo glória alguma fugir da vida. Nem em tirar a própria, quanto menos abdicar de viver os seus percalços As almas antigas nos inveja. Eles nos invejam porque somos mortais, porque qualquer momento pode ser o ultimo. Tudo é mais bonito porque estamos fadados a viver cada coisa uma vez só.


Um beijo aguardado, uma saudade presa, um encontro depois de uma briga, um filho nascido, um problema resolvido, uma montanha conquistada, tudo, tudo, tudo – absolutamente tudo só pode ser visto, sentindo, tomado gosto uma única vez e cabe a nós naquele instante mágico absolver profundamente todos os sentimentos que recebemos.



Vivemos num mundo tão rápido e tão cheio de coisas a fazer que levamos a vida no automático. Acorda-se pensando no que vai vestir, comer, fazer, estudar. Quando se vê já é 12:00 e esquecemos o que fizemos de manhã, o que comemos, o que tínhamos planejado. Vivemos à espera do segundo próximo que acabará por passar e com ele responsabilidades e afazeres. Fazemos tudo. Eventualmente uma ou outra tarefa nos dá a frustração de ser adiada. Comemos rápido, dormimos mal, deixamos de cumprimentar as pessoas porque perderemos muitos minutos preciosos e talvez seja melhor virar o rosto e fingir que não vimos uns aos outros.



No entanto, ainda que tenhamos a plena consciência de que tudo está passando rápido demais ( e que você já está sendo chamado(a) de "tio" ou "tia"), fazemos planos. Sim, continuamos planejando. Ano que vem eu viajo. Mês que vem eu recomeço a praticar esporte. Semana que vem eu vou ao cinema. Amanhã eu ligo para aquela pessoa especial. E não liga e a perde.



Deixamos a maioria das coisas que nos satisfazem de verdade para depois, um depois que pode não existir. Sabemos que tudo passa rápido, mas ainda temos a ilusão de que haverá no futuro algum tempo para que possamos fazer tudo que não podemos fazer agora, porque não há tempo. Cada segundo é precioso. As obrigações não esperam: tem prazos exíguos, cujo cumprimento torna-se, não raro, mais importante que a própria tarefa em si.



Responda à seguinte pergunta: Quantas vezes neste mês você fez algo que te desse aquela sensação de se estar vivo? De satisfação plena? Aquele momento de absoluta sintonia com o mundo em que você olha pro céu e pensa: "Que bem que eu estou vivo"?



Você pode até rechaçar esta pergunta e rebater afirmando que talvez eu queria lançar o mundo ao mais completo devaneio hedonista, onde as pessoas não se preocuparão com o futuro e não estudarão ou trabalharão mais. Mas no fundo, no fundo, você sabe que não é disto que estou falando. E você neste exato momento pode fechar a página e parar de ler porque tem um prazo importantíssimo pra amanhã, mas penso eu que os prazos e as coisas inanimadas podem ficar pra depois. Mesmo que você morresse neste exato momento, o prazo não deixaria de existir e, inevitavelmente, seria feito posteriormente por outra pessoa. Só que as pessoas não podem ser deixadas pra amanhã.



"Pra morrer, basta estar vivo", diria meu irmão, na frase mais estupidamente óbvia e genial do século. E ele morreu!



Acabamos nos importando tanto, com tantas coisas, que esquecemos de viver. E por esquecermos, vamos morrendo por dentro. E quando se vê já se morre por completo, deixando, como sobejo de personalidade, o espólio e algumas poucas lembranças.



Assim, que ela signifique a possibilidade de viver mais e melhor, de não deixar pessoas pra depois, amor pra depois, riso pra depois, e só assim não deixaremos a nossa própria vida pra depois, esse depois que pertence ao Universo, ao acaso, ao Deus, ao sobrenatural, ao que não se explica ou até ao sabe-lá-o-quê que nos colocou aqui.

Na vida, então, façamos valer a pena ser um imortal pelo que deixou de bom.

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