sábado, 28 de maio de 2016

A vida do outro




Passamos grande parte da vida achando que a vida do outro é melhor; bem mais tarde, certos que o rio só corre para o mar, é que percebemos que todos estão no mesmo barco e às vezes vazando também.

Há no ar certo queixume sem razões muito claras.
Converso com pessoas que estão entre os 30 e 50 anos, todas com profissão, marido, filhos, saúde, e ainda assim elas trazem dentro delas um não-sei-o-quê perturbador, algo que as incomoda ou um certo vazio – parece-me que chegou o fim da festa e não se bebeu o bastante, não se comeu o bolo do casamento ou não se beijou o tanto que queria.

Marina Lima disse algo lá na minha época.
“Eu espero/ acontecimentos/ só que quando anoitece/ é festa no outro apartamento”.

Passei minha adolescência com esta sensação: a de que algo muito animado estava acontecendo em algum lugar para o qual eu não tinha sido chamado. Passei parte dela me maldizendo por sábados em casa ou sono demais.

É verdade que vez por outra consideraremos deslocado e impedido de ser feliz como os outros são, ou aparentam ser. Só que chega uma hora em que é preciso deixar de ficar tentando ser um projeto de celebridade que não é teu.

As festas regadas de boas conversas, grandes acontecimento são pouquíssimas, raras exceções na sua maioria  -  são fruto da nossa imaginação, que é infectada por falsos holofotes, falsos sorrisos e falsas notícias. Os notáveis alardeiam muito suas vitórias, mas falam pouco das suas angústias, revelam pouco suas aflições, não dão bandeira das suas fraquezas, então fica parecendo que todos estão comemorando grandes paixões e fortunas, quando na verdade a festa lá fora não está tão animada assim. Ao amadurecer, descobrimos que a grama do vizinho não é mais verde coisíssima nenhuma. Estamos todos no mesmo barco, com motivos pra dançar pela sala e também motivos pra se refugiar no escuro, alternadamente.

Só que os motivos pra se refugiar no escuro raramente são divulgados.
Pra consumo externo, todos são belos, sexy, lúcidos, íntegros, ricos, sedutores.
Dificilmente eu me lembro de alguém divulgando que passou a noite toda olhando para festa sem estar propriamente na festa. Com aquela cara de bundão.
Não é só sentimento teu, todo mundo já se sentiu  abafado pela perfeição alheia, e olha que na época não havia redes sociais, como hoje muito mais sensacionalistas e causadoras de cobiça que qualquer revista meia boca dos anos  80/90. Nesta era de exaltação de celebridades – reais e inventadas – fica difícil mesmo achar que a vida da gente tem graça. Mas, tem. Paz interior, amigos leais, nossas músicas, livros, fantasias, desilusões e recomeços, tudo isso vale ser incluído na nossa biografia.

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