Vou chamar de Alice
Como sempre disse, aprecio a arte de interpretar gestos e pessoas.
Adoro divagar sobre a informação que meus olhos vão recebendo. Não faz muito
tempo estive em um shopping desses com amigos e no vai e vem da conversa, que já
estava ficando morna, passei a usar meu botão: "observando..."
Há uns 06 metros´de mim notei uma jovem mãe com seu filho de mais ou menos uns 7 anos, e junto com quase mesma idade dela outra moça - supus logo ser uma amiga. A conversa lá parecia bem normal para duas amigas
numa tarde de shopping.
A gente percebe que tem interação entre duas pessoas
pelo gestual. Vira e mexe a jovem mãe sorria mostrando todos os dentes, um
sorriso bem amplo mesmo. Cotovelos na mesa e mãos no queixo, olhos fixos na
outra que desempenhava um papel de contar algo bem interessante para ela. Devia
ser também engraçado... Pois os sorrisos se sucediam em intervalos de minutos.
O menino estava brincando com um hambúrguer, mas logo se cansou e
pediu para ir aos brinquedos. A jovem que agora será Alice levantava e brincava
com ele também. Entre um brinquedo e outro ela retornava a mesa e ficava observando
da mesma seu filhote ao fundo, mantinha-o na sua visão e ao mesmo tempo dava atenção a amiga.
Eu percebia que
ela a cada vez que passava a mão nos cabelos ou ajeitava a roupa, ela também
seduzia o ambiente, mesmo que sem querer.
- Sabe aquela leve levantada de cabelo na orelha, para dar o
caimento perfeito? Pois é! Cabelos finos e lisos corriam atrás da orelha a cada
ajeitada.
Alice não tinha aliança nas mãos, posso supor que não esteja
casada no momento. O que não queria dizer que não tivesse alguém; mas era um
dado para acréscimo no meu banco de dados novo.
A colega tinha uma aparência bem distinta dela,
então também julguei que fosse amiga. E como a chave de um carro estava nas
mãos de Alice, ela era a motorista e quem convidara a outra.
Pediram uma torre de chope e junto um prato de fritas
tamanho médio. Logo o menino se aproximou da mesa para comer, ávido e falante - ele é daqueles
agitados, fala e come ao mesmo tempo. Alice acabara de fazer bigode na sua primeira
golada de chope, tirou com uma passada de língua sobre a boca e um sorriso
maroto saiu dela para amiga...
- Tive minha primeira impressão: ela estava precisando
daquele gole. Curtia cerveja e isso animou o papo, ao ponto de as duas subirem
o tom da conversa.
Como estava óbvio depois de comer, o garoto pediu outros
brinquedos e Alice foi até o rapaz comprar novos créditos. Aproveitou e tirou
várias fotos em poses com o filhão e selfies sozinha. Quando retornou a mesa,
aproveitou para pedir a amiga, novas selfies com caras e bocas, sozinhas e
acompanhadas. Observou depois as fotos, fez o que toda mulher faz:
- Apaga as que não gostou e manda para o Instagram as legais.
Com o celular de volta a mesa, Alice passou a observar o
entorno também – à amiga estava naquele momento de curtir a postagem da outra e
também se julgar nas fotos postadas; portanto por enquanto ambas estavam
direcionadas em coisas diferentes. Alice olhou tudo, olhou até para mim, baixou a visão, evitou-me encarar e fez a mesma coisa com meia dúzia de outros
caras que a circundavam nas mesas do shopping.
- Tive minha segunda impressão: Ela não estava ali para
paquerar, mas nada impedia que ela pudesse saber o que estava rolando a sua
volta. O modo que ela baixou a visão demonstrou que ela não estava querendo se
revelar. Quando a outra parou de mexer no celular, ela estava agora beliscando
a comida, virando e escolhendo os melhores pedaços e fritas do prato, quase que
no automático, percebi-a pensativa. Aquela olhada ao redor, trouxe-lhe
pensamentos distantes, lembranças de um momento já vivido, quem sabe alguém que
ela já tivesse estado ali.
Deste ponto passei a ter um insight com Alice.
Quem seria Alice, quando jovem menina começava a dar seus
primeiros passos, suas primeiras palavras, suas primeiras impressões do mundo?
Imaginei ela filha caçula de pais mais velhos, que não
esperavam mais ter a segunda filha. Pequena, sorridente, sapeca, criou logo
empatia com todos da família, era o que as pessoas costumam dizer como “alegria da
casa”. Alice deve ter sido mimada o quanto pode por sua mãe, que pensava:
- Com esta não vou
errar! Ela vai se casar com um bom homem e ter seus estudos completos e seu
dinheirinho...
Alice deve ter passado pela infância com seus cabelos presos
bem apertados, todo para trás com o rosto todo cheio, redondinho e rosado. Deve
ter caído muito correndo, chorado foi acalmada pelo pai, que tinha com ela mais
paciência que com a outra.
Alice cresceu em escola pública, mas sempre foi bem asseada,
tomada banho, mochilinha moderna, sapatênis mais maneiro que a televisão
podia passar e a mãe comprar. Os amiguinhos corriam com ela, gostavam dela.
Acho que seus primeiros problemas foram começar apenas no
colegial. Aluna aplicada e bonita causava inveja e cobiça. Deveria ser daquelas
que deixava os meninos se aproximarem, só para ser reconhecida como a “enturmada
da classe”.
Alice por certo, teve poucos namorados – alguns paquerinhas
talvez...
Lógico ela começou a sentir a pressão própria dos garotos
adolescentes cheios de testosterona, vitimas das paixonites próprias da idade,
não conseguiam esconder suas intenções e nem as mãos bobas. Ela deve ter deixado alguns tristes e
melancólicos ao longo do ginásio todo.
Tenho certeza que Alice com muito zelo da mãe e devoção do
pai deve ter se formado. Não sei qual é sua profissão: mas acho que é humanas.
Agradecida pelo esforço dos pais, cheia de si, estima
elevada, projetou realizar todos os sonhos da mãe e lógico os seus próprios.
O filho de Alice e a ausência de aliança na mão me faz
pensar através do garoto, que é cheio de energia e muito dependendo da atenção
dela, porque a cada brincadeira, ele gritava ao fundo pela mãe, para que
observasse, então ponderei que ela estava sempre fazendo os dois papeis: mãe e
pai - vulgo “pães”. E que o contato do garoto se dava em períodos com certa
distância do pai. Então Alice se casou ou teve um filho com alguém que não deu
certo.
Independente de qual seria o estado civil dela antes ou hoje,
vislumbrei essa situação, pensando como se deu a relação.
Acredito que Alice tentou muito colocar em prática seus
sonhos. Deve ter experimentado as razões a dois de uma união. Com seu dia a dia
e sua rotina. Deve ter participado intensamente de dias especiais, como
aniversario do filho, natal, ano novo, festa em família, promessas de amor e
brigas de casal.
Não sei se ela sofreu ou se sofreu depois da relação. Separou-se ou
terminou simplesmente por terminar. Não sei as falas e nem sei as razões para
ela estar sentada ali presente. Acompanhada, mas solitária. Sorrindo, mas com
um sorriso preso e condenado aos olhos, que como companheiro infiel, teimava em contar
para mim os planos dela, ou outra historia sobre aquele sorriso branco lindo.
Os olhos de
Alice eram demonstradores de que teve dias de choro. Outros que não dormira
direito.
Seus olhos contava que ele já tinha olhado para o céu e orado; algumas
vezes para o chão de medo.
Teve as vezes semicerrados, quase fechados, tristes... expressavam suas frustrações com pessoas e com a vida.
Alice me contava que a cada vez que olhava para o chão e
erguia a cabeça, alguém tinha tirado dela sonhos. Não muito tempo ela
acreditava em algo; mas se perdeu – ou deixou que te tirassem. Pelo pouco que pude te entender Alice, hoje
você é uma fase incompleta do que queria ser.
Talvez agora você acredite só no que
pode comprar.
No que pode fazer por você mesma.
Talvez agora você só veja seu
filho e acredite apenas em meia dúzia de conhecidos.
Talvez a sua cama seja o
seu lar preferido.
Talvez, talvez...
Talvez Alice ainda chore e não demonstre
Talvez Alice ainda cante a sua música preferida
Quem sabe? O que eu sei é o que eu vi...
Alice e amiga tomaram a torre de chope e eu a vi pegando a
chave do carro e pagando a conta sozinha.
- Que audácia, pensei...
Alice é daquelas que acredita que o guarda de transito não para mulheres
lindas e indecentes.
Alice foi até o filho, pegou pela mão, agachou-se, demonstrando
toda sua elasticidade e desenvoltura, limpou a boca do menino, ajeitou o cabelo
dele, e puxou para si. Deu um abraço materno, daqueles que vêm com promessa de
amor para sempre; justificando todas as suas escolhas recentes e partiu com a
amiga para o estacionamento.
Voltei aos meus afazeres e desejei que Alice no futuro
tivesse novos sonhos...
Uma vida nova
Uma flor nova
Que seus cabelos esvoaçassem agora com o vento
Que seu sorriso fosse espelho de seus novos sentimentos
E que sua luz fosse repleta de amor
Você lembra uma letra de canção.
(...) Escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio com frases dizendo assim
Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar o meu desejo
Te mando um monte de beijo
Ai que saudade sem fim
E se quiser recordar...
Bote logo no correio com frases dizendo assim
Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar o meu desejo
Te mando um monte de beijo
Ai que saudade sem fim
E se quiser recordar...
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