sexta-feira, 20 de maio de 2016

A vida de Alice




Vou chamar de Alice

Como sempre disse, aprecio a arte de interpretar gestos e pessoas. Adoro divagar sobre a informação que meus olhos vão recebendo. Não faz muito tempo estive em um shopping desses com amigos e no vai e vem da conversa, que já estava ficando morna, passei a usar  meu botão: "observando..." 

Há uns 06 metros´de mim notei  uma jovem mãe com seu filho de mais ou menos uns 7 anos, e junto com quase mesma idade dela outra moça - supus logo ser uma  amiga. A conversa lá parecia bem normal para duas amigas numa tarde de shopping.

A gente percebe que tem interação entre duas pessoas  pelo gestual. Vira e mexe a jovem mãe sorria mostrando todos os dentes, um sorriso bem amplo mesmo. Cotovelos na mesa e mãos no queixo, olhos fixos na outra que desempenhava um papel de contar algo bem interessante para ela. Devia ser também engraçado... Pois os sorrisos se sucediam em intervalos de minutos. 
O menino estava brincando com  um hambúrguer, mas logo se cansou e pediu para ir aos brinquedos. A jovem que agora será Alice levantava e brincava com ele também. Entre um brinquedo e outro ela retornava a mesa e ficava observando da mesma seu filhote ao fundo, mantinha-o na sua visão e ao mesmo tempo dava atenção a amiga. 
Eu percebia que ela a cada vez que passava a mão nos cabelos  ou  ajeitava a roupa, ela também seduzia o ambiente, mesmo que sem querer.
- Sabe aquela leve levantada de cabelo na orelha, para dar o caimento perfeito? Pois é! Cabelos finos e lisos corriam atrás da orelha a cada ajeitada.

Alice não tinha aliança nas mãos, posso supor que não esteja casada no momento. O que não queria dizer que não tivesse alguém; mas era um dado para acréscimo no meu banco de dados novo.
A colega tinha uma aparência bem distinta dela, então também julguei que fosse amiga. E como a chave de um carro estava nas mãos de Alice, ela era a motorista e quem convidara a outra.

Pediram uma torre de chope e junto um prato de fritas tamanho médio. Logo o menino se aproximou da mesa para comer, ávido e falante  - ele é daqueles agitados, fala e come ao mesmo tempo. Alice acabara de fazer bigode na sua primeira golada de chope, tirou com uma passada de língua sobre a boca e um sorriso maroto saiu dela para amiga... 
- Tive minha primeira impressão: ela estava precisando daquele gole. Curtia cerveja e isso animou o papo, ao ponto de as duas subirem o tom da conversa.

Como estava óbvio depois de comer, o garoto pediu outros brinquedos e Alice foi até o rapaz comprar novos créditos. Aproveitou e tirou várias fotos em poses com o filhão e selfies sozinha. Quando retornou a mesa, aproveitou para pedir a amiga, novas selfies com caras e bocas, sozinhas e acompanhadas. Observou depois as fotos, fez o que toda mulher faz:
- Apaga as que não gostou e manda para o Instagram as legais.
Com o celular de volta a mesa, Alice passou a observar o entorno também – à amiga estava naquele momento de curtir a postagem da outra e também se julgar nas fotos postadas; portanto por enquanto ambas estavam direcionadas em coisas diferentes. Alice olhou tudo, olhou até para mim, baixou a visão, evitou-me encarar e fez a mesma coisa com meia dúzia de outros caras que a circundavam nas mesas do shopping.
- Tive minha segunda impressão: Ela não estava ali para paquerar, mas nada impedia que ela pudesse saber o que estava rolando a sua volta. O modo que ela baixou a visão demonstrou que ela não estava querendo se revelar. Quando a outra parou de mexer no celular, ela estava agora beliscando a comida, virando e escolhendo os melhores pedaços e fritas do prato, quase que no automático, percebi-a pensativa. Aquela olhada ao redor, trouxe-lhe pensamentos distantes, lembranças de um momento já vivido, quem sabe alguém que ela já tivesse estado ali.
Deste ponto passei a ter um insight com Alice.
Quem seria Alice, quando jovem menina começava a dar seus primeiros passos, suas primeiras palavras, suas primeiras impressões do mundo?
Imaginei ela filha caçula de pais mais velhos, que não esperavam mais ter a segunda filha. Pequena, sorridente, sapeca, criou logo empatia com todos da família, era o que as pessoas costumam dizer como “alegria da casa”. Alice deve ter sido mimada o quanto pode por sua mãe, que pensava:
 - Com esta não vou errar! Ela vai se casar com um bom homem e ter seus estudos completos e seu dinheirinho...
Alice deve ter passado pela infância com seus cabelos presos bem apertados, todo para trás com o rosto todo cheio, redondinho e rosado. Deve ter caído muito correndo, chorado foi acalmada pelo pai, que tinha com ela mais paciência que com a outra.
Alice cresceu em escola pública, mas sempre foi bem asseada, tomada banho, mochilinha moderna, sapatênis mais maneiro que a televisão podia passar e a mãe comprar. Os amiguinhos corriam com ela, gostavam dela.
Acho que seus primeiros problemas foram começar apenas no colegial. Aluna aplicada e bonita causava inveja e cobiça. Deveria ser daquelas que deixava os meninos se aproximarem, só para ser reconhecida como a “enturmada da classe”.
Alice por certo, teve poucos namorados – alguns paquerinhas talvez...
Lógico ela começou a sentir a pressão própria dos garotos adolescentes cheios de testosterona, vitimas das paixonites próprias da idade, não conseguiam esconder suas intenções e nem as mãos bobas.  Ela deve ter deixado alguns tristes e melancólicos ao longo do ginásio todo.
Tenho certeza que Alice com muito zelo da mãe e devoção do pai deve ter se formado. Não sei qual é sua profissão: mas acho que é humanas.
Agradecida pelo esforço dos pais, cheia de si, estima elevada, projetou realizar todos os sonhos da mãe e lógico os seus próprios. 

O filho de Alice e a ausência de aliança na mão me faz pensar através do garoto, que é cheio de energia e muito dependendo da atenção dela, porque a cada brincadeira, ele gritava ao fundo pela mãe, para que observasse, então ponderei que ela estava sempre fazendo os dois papeis: mãe e pai - vulgo “pães”. E que o contato do garoto se dava em períodos com certa distância do pai. Então Alice se casou ou teve um filho com alguém que não deu certo.
Independente de qual seria o estado civil dela antes ou hoje, vislumbrei essa situação, pensando como se deu a relação.
Acredito que Alice tentou muito colocar em prática seus sonhos. Deve ter experimentado as razões a dois de uma união. Com seu dia a dia e sua rotina. Deve ter participado intensamente de dias especiais, como aniversario do filho, natal, ano novo, festa em família, promessas de amor e brigas de casal.
Não sei se ela sofreu ou se sofreu depois da relação. Separou-se ou terminou simplesmente por terminar. Não sei as falas e nem sei as razões para ela estar sentada ali presente. Acompanhada, mas solitária. Sorrindo, mas com um sorriso preso e condenado  aos olhos, que como companheiro infiel, teimava em contar para mim os planos dela, ou outra historia sobre aquele sorriso branco lindo.

Os olhos de Alice eram demonstradores de que teve dias de choro. Outros que não dormira direito. 
Seus olhos contava que ele já tinha olhado para o céu e orado; algumas vezes para o chão de medo. 
Teve as vezes semicerrados, quase fechados, tristes... expressavam  suas frustrações com pessoas e com a vida. 

Alice me contava que a cada vez que olhava para o chão e erguia a cabeça, alguém tinha tirado dela sonhos. Não muito tempo ela acreditava em algo; mas se perdeu – ou deixou que te tirassem.  Pelo pouco que pude te entender Alice, hoje você é uma fase incompleta do que queria ser. 

Talvez agora você acredite só no que pode comprar. 
No que pode fazer por você mesma. 
Talvez agora você só veja seu filho e acredite apenas em meia dúzia de conhecidos. 
Talvez a sua cama seja o seu lar preferido.
Talvez, talvez...
Talvez Alice ainda chore e não demonstre
Talvez Alice ainda cante a sua música preferida
Quem sabe? O que eu sei é o que eu vi...

Alice e amiga tomaram a torre de chope e eu a vi pegando a chave do carro e pagando a conta sozinha.
- Que audácia, pensei...

Alice é daquelas que acredita que o guarda de transito  não para mulheres lindas e indecentes.

Alice foi até o filho, pegou pela mão, agachou-se, demonstrando toda sua elasticidade e desenvoltura, limpou a boca do menino, ajeitou o cabelo dele, e puxou para si. Deu um abraço materno, daqueles que vêm com promessa de amor para sempre; justificando todas as suas escolhas recentes e partiu com a amiga para o estacionamento.

Voltei aos meus afazeres e desejei que Alice no futuro tivesse novos sonhos...
Uma vida nova
Uma flor nova
Que seus cabelos esvoaçassem agora com o vento
Que seu sorriso fosse espelho de seus novos sentimentos
E que sua luz fosse repleta de amor

Você lembra uma letra de canção. 
(...) Escreva uma carta pra mim
Bote logo no correio com frases dizendo assim
Faz tempo que eu não te vejo
Quero matar o meu desejo
Te mando um monte de beijo
Ai que saudade sem fim
E se quiser recordar...

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