sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Velhinho professor

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas e óculos de sol


O velhinho professor

Estava eu fazendo meus trabalhos, quando entra um velhinho daqueles bem surrados do interior. Trajando chapéu, camisa de botões, calça social e sandália de couro, tipicamente matuto mesmo.

O senhor tira logo o chapéu da cabeça, dá uma coçadinha nos poucos cabelos suados e com um pedaço amassado de papel na mão e uma foto amarelada, pergunta se faço digitação.

Por questão de tendinite, já que digito uma pancada de coisa à noite no hospital, eu aboli digitação de textos longos. E costumeiramente já estava na língua a resposta: - Não faço não!

O senhor ouviu e não fez cara de desagrado não e nem ficou aborrecido, apenas emudeceu e baixou a cabeça, cansado e suspirando, disse:

- Eu vim de Alhandra, pra fazer isso, já rodei em tudo que é canto pela capital e me disseram que talvez o senhor fizesse. Peguei ônibus logo cedo, e como só venho aqui de ano em ano, acho que vou voltar sem fazer isso...

Olhou para o papel, caminhou pra porta. Como eu me senti estranho, resolvi pedir pra ver o papel, e por Deus! Nem a letra dos médicos é tão ruim de decifrar, quanto quem escreveu aquelas palavras nos dois lados da folha.

Disse pra ele que faria o trabalho, e mandei-o ficar à frente. Era um texto em homenagem à sua esposa de 87 anos e ao casamento de 67, no mesmo dia, com felicitações dos filhos e netos. E a foto era pra estar contida na homenagem e para uma camisa também de comemoração que alguém imprimiria para eles.


Quando estava terminando, e depois de restaurar a foto, pra ficar mais digna, perguntei se não seria melhor colocar uma dele também, pelo menos pra camisa, já que seria comemorado o aniversário de casamento.
Propus eu mesmo tirar a foto pelo celular e photoshopa-la.


Ele ficou feliz, agradeceu-me, mas disse um pequeno argumento que agora transcreverei para vocês: ( não se importem com erros e concordâncias)

- “ Moço, faz quatro meses que minha véia foi embora, Deus a levou daqui pra lugar mais bom. Eu nesses anos todos, conheci muita mué da vida, muito cabaré, mas sempre retornava pra casa. Foram mais de 50 anos se nenhuma separação, nem tapa eu nunca dei nela. Ela sempre me cobriu de carinhos, ela era meio rançosa, braba, mas nunca largou deu. Eu nunca vesti roupa que não fosse essa camiseta de botões aqui que gosto muito, mas resolvi fazer por ela isso. Butar essa camiseta linda aqui com a foto dela. Falar de como nunca disse que amava, essa coisas que homem não diz né. Porque é besta demais! Pensei nessas bobagens de escrever carta e minha neta me ajudou. E tô aqui moço querendo fazer o aniversário dela e comemorar nossa vida juntos. Por que sei que ela num tá mais lá em casa eu sei.

Mas eu estou vivo né, Deus não me quis primeiro... Quero dar pra minha véia essas coisas que jovem faz... “Dizer que ama, e sei que de onde ela está Deus vai deixar ela me ver um só pouco né”.

Lógico que não vou dizer que engasgado até o talo eu fiquei, e que aprendi mais uma vez que o que deixamos passar, não tem volta. Viver é um pedacinho da gente que fica no outro todos os dias.

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