sábado, 4 de junho de 2016

O dia que pensei em matar uma pessoa




Isso pode muito bem vir a cair nos fatos e coisas estranhas que eu conheci ou aconteceram comigo.

Eu morei em São Paulo, até meus 12 anos e nove meses de vida. Completei aqui na Paraíba os 13.
Até eu sair de lá, vivi o real bullying que todos os nordestinos viveram nos anos 80.

Tive que me mudar seis vezes de bairro em 05 colégios diferentes, por ter que enfrentar colegas de classe cujos preconceitos eram adquiridos dos pais. Eu não sabia disso na época e não tolerava também. Então era briga todos os dias. Chegou a um ponto de ter que ficar 06 meses fora do colégio até que pudesse ser remanejado para outra classe.

Com meus 10 anos eu já estava no último bairro, e bem mais sossegado com esse problema, assim eu pensava... até porque eu tinha as brigas, mas eram esporádicas por situações de criança mesmo. 

Eu estudava em escola pública. Escola pública em São Paulo comporta algo em torno de cinco mil alunos ou mais. Aquilo é uma cidade de grande, cheia de regras para segurar um bando de alunos, de todas as classes sociais, credos e raças. Nesse sopão todo, eu até que me dava bem, porque não era o único segmento “nordestino” perseguido. Tinha os asiáticos, os negros, e outros.

Um belo dia, entrou na escola um garoto grandão loiro de olho verde e muito esquisitão. Vivia o tempo todo irritado com todo mundo, parecia um ET desajustado tentando entender em que planeta estava. Eu ainda não sabia que seria um íman para esse tipo de gente. Tentei ficar longe da visão dele, brincando de jogar bola com os caras perseguidos da escola.
 O japa
O bola sete
O Hulk baiano e outros que não lembro mais o nome.

Na hora de tocar a sirene para todos irem embora, eu estava na fila dos alunos da quarta Série B. E para sair da escola, só obedecendo à fila indiana até encontrar com os pais no lado de fora. No meu caso não tinha essa opção, eu caminhava três quilômetros todos os dias para chegar em casa. Neste dia específico o “alemão” estava como eu sozinho, e indo na mesma direção, o que só não prestou para mim... do nada – repito do nada! Ele começou a me xingar de tudo quanto era palavrão na frente de uma multidão de alunos e pais, e me bater nas costas, chutar minha mochila e jogar meus cadernos na rua. Eu quase apanhei todo o caminho. E lógico a turma gritava de excitação e os pais pedindo para parar. Só sei que foi assim naquele dia e em outros dias também. Só não era até a porta de casa, porque aqui eu nunca ouvi falar disso, mas em São Paulo os garotos tem uma tradição de geração para geração: “Os donos da rua”. A minha rua, não se misturava com a rua de baixo, mas tinha boa amizade com os caras da rua de cima, mas ninguém ousava invadir a rua do outro, sem ao menos conhecer alguém ou ser convidado. E justo o “alemão” era morador da rua de baixo (não bem vindo). Então eu só apanhava até a entrada da minha. Isso é tão levado à sério que até os adultos antigos, irmãos mais velhos protegiam essa tradição.  “A rua tem dono”.

As exceções eram partidas de futebol em campinhos neutros, desde que você fosse com uma turma bem grande. Festas de bairro. Convites para festa na casa de fulano.

Passei tanto tempo sofrendo bullying e agressões desse moleque, que eu já não sabia mais esconder em casa. Meus pais não queriam saber de brigas e nem chegar chorando, então eu tinha que chegar sem trazer problemas. Chorava na rua e entrava calado. Fiquei assim por um tempo que nem sei, até que eu optava por sair por último ou escondido, desviando por outras ruas que tinha outros “donos”, mas mesmo assim era mais seguro e menos humilhante. Até que tive um mês do cão. 

Nesse mês estava na porta de casa, olhando para rua, quando do nada um maluco jogou uma pera na minha cara que quebrou meu dente e o sangue espirrou. Entrei chorando e o cara sumiu.

Noutro dia, empinando pipa sozinho, levei um soco no estômago de outro maluco não morador da rua, que eu me dobrei todo no chão – perdi a pipa e a linha.

E, por finalmente o “alemão” me achou e tive a maior surra da minha vida de aluno. Ele tomou meus sapatos e fui pra casa sem eles até que chegando à rua, outro boy me trouxe, dizendo ter achado na pista e com pena me devolveu. Eu chorei muito na frente de casa e tomei minha maior decisão da vida:
- Matar aquele “alemão!”.

Achei um parafuso grande e pontudo, e botei na mão, como se fosse uma garra do Wolverine.
Planejei de tarde ir à rua do moleque e esperar ele sair de casa.
Eu tinha um plano, era dos bons...

- Vou me aproximar bem rápido e socar o olho dele ou furar a barriga.  Estudei bem as possíveis reações dele, e coloquei o calção de jogo e meu kichute para simular que iria à rua debaixo para jogar bola. Assim eu fiz e fiquei plantado na frente da casa do moleque. 

- Ele não saiu o dia todo de casa.
Voltei frustrado! Fui dormir pensando em fazer isso na saída da escola então.
Durante os dois dias seguidos de aula nada do “alemão” na escola e nem na rua. Meu plano estava furado, porque a minha raiva e crescente ódio já não existira tanto assim.

Sei que no sábado tinha uma importante pelada na minha rua. E joguei muito o dia todo, até muito tarde. Chegou um determinado momento que resolvi sair da partida e avisei os caras que estava saindo, fui sentar-me no meio fio. 

Nessa hora, que não sei quanto tempo foi, porque eu estava igual ao aquele garoto da foto da internet “reflitão da vida” senti uma sombra atrás de mim a pedir:

- Posso jogar no seu lugar?
- Me virei para trás para ver quem era, porque aquela voz não me era estranha.
Com quem eu me deparo?
- O “alemão” filha da puta.

Rapidamente pensei no parafuso, mas não estava comigo. Eu já tinha deixado em casa, e não andava com ele mais. Comecei logo a me imaginar apanhando ali, e os outros entrando na briga comigo. Não prestaria pra ninguém!

Mas tomei a decisão de responder:
- Po-pode! (gaguejei)

E assim ele entrou no campinho, jogou em meu lugar, depois eu entrei no lugar de outro e joguei com ele e contra. Só sei que a cada gol ele me abraçava. Só sei que a cada gol ele me elogiava. Durante aquele dia e em outros também, eu nunca mais vi aquele garoto me perseguir Pelo contrário! Ficou meu amigão do peito. Parecia outra pessoa. Parecia que um bicho tinha saído dele, ele não falava nada de antes – eu também não!
Nunca pedi explicações, mas ao mesmo tempo parecia que ele não se lembrava de nada. Até pela forma dele falar, como se tivesse me conhecido aquele dia do jogo em diante.
Vai saber? Coisas, pessoas e lugares estranhos que eu vi e vivi da minha vida.

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