Isso pode muito bem vir a cair nos fatos e coisas estranhas que
eu conheci ou aconteceram comigo.
Eu morei em São Paulo, até meus 12 anos e nove meses de
vida. Completei aqui na Paraíba os 13.
Até eu sair de lá, vivi o real bullying que todos os
nordestinos viveram nos anos 80.
Tive que me mudar seis vezes de bairro em 05 colégios
diferentes, por ter que enfrentar colegas de classe cujos preconceitos eram
adquiridos dos pais. Eu não sabia disso na época e não tolerava também. Então
era briga todos os dias. Chegou a um ponto de ter que ficar 06 meses fora do
colégio até que pudesse ser remanejado para outra classe.
Com meus 10 anos eu já estava no último bairro, e bem mais
sossegado com esse problema, assim eu pensava... até porque eu tinha as brigas,
mas eram esporádicas por situações de criança mesmo.
Eu estudava em escola pública. Escola pública em São Paulo
comporta algo em torno de cinco mil alunos ou mais. Aquilo é uma cidade de
grande, cheia de regras para segurar um bando de alunos, de todas as classes
sociais, credos e raças. Nesse sopão todo, eu até que me dava bem, porque não
era o único segmento “nordestino” perseguido. Tinha os asiáticos, os negros, e
outros.
Um belo dia, entrou na escola um garoto grandão loiro de olho
verde e muito esquisitão. Vivia o tempo todo irritado com todo mundo, parecia
um ET desajustado tentando entender em que planeta estava. Eu ainda não sabia
que seria um íman para esse tipo de gente. Tentei ficar longe da visão dele,
brincando de jogar bola com os caras perseguidos da escola.
O japa
O bola sete
O Hulk baiano e outros que não lembro mais o nome.
Na hora de tocar a sirene para todos irem embora, eu estava na
fila dos alunos da quarta Série B. E para sair da escola, só obedecendo à fila
indiana até encontrar com os pais no lado de fora. No meu caso não tinha essa
opção, eu caminhava três quilômetros todos os dias para chegar em casa. Neste
dia específico o “alemão” estava como eu sozinho, e indo na mesma direção, o
que só não prestou para mim... do nada – repito do nada! Ele começou a me
xingar de tudo quanto era palavrão na frente de uma multidão de alunos e pais,
e me bater nas costas, chutar minha mochila e jogar meus cadernos na rua. Eu
quase apanhei todo o caminho. E lógico a turma gritava de excitação e os pais
pedindo para parar. Só sei que foi assim naquele dia e em outros dias também. Só
não era até a porta de casa, porque aqui eu nunca ouvi falar disso, mas em São
Paulo os garotos tem uma tradição de geração para geração: “Os donos da rua”. A
minha rua, não se misturava com a rua de baixo, mas tinha boa amizade com os
caras da rua de cima, mas ninguém ousava invadir a rua do outro, sem ao menos
conhecer alguém ou ser convidado. E justo o “alemão” era morador da rua de
baixo (não bem vindo). Então eu só apanhava até a entrada da minha. Isso é tão
levado à sério que até os adultos antigos, irmãos mais velhos protegiam essa
tradição. “A rua tem dono”.
As exceções eram partidas de futebol em campinhos neutros,
desde que você fosse com uma turma bem grande. Festas de bairro. Convites para
festa na casa de fulano.
Passei tanto tempo sofrendo bullying e agressões desse
moleque, que eu já não sabia mais esconder em casa. Meus pais não queriam saber
de brigas e nem chegar chorando, então eu tinha que chegar sem trazer
problemas. Chorava na rua e entrava calado. Fiquei assim por um tempo que nem
sei, até que eu optava por sair por último ou escondido, desviando por outras
ruas que tinha outros “donos”, mas mesmo assim era mais seguro e menos
humilhante. Até que tive um mês do cão.
Nesse mês estava na porta de casa, olhando para rua, quando
do nada um maluco jogou uma pera na minha cara que quebrou meu dente e o sangue
espirrou. Entrei chorando e o cara sumiu.
Noutro dia, empinando pipa sozinho, levei um soco no
estômago de outro maluco não morador da rua, que eu me dobrei todo no chão –
perdi a pipa e a linha.
E, por finalmente o “alemão” me achou e tive a maior surra
da minha vida de aluno. Ele tomou meus sapatos e fui pra casa sem eles até que
chegando à rua, outro boy me trouxe, dizendo ter achado na pista e com pena me
devolveu. Eu chorei muito na frente de casa e tomei minha maior decisão da
vida:
- Matar aquele “alemão!”.
Achei um parafuso grande e pontudo, e botei na mão, como se
fosse uma garra do Wolverine.
Planejei de tarde ir à rua do moleque e esperar ele sair de
casa.
Eu tinha um plano, era dos bons...
- Vou me aproximar bem rápido e socar o olho dele ou furar a
barriga. Estudei bem as possíveis
reações dele, e coloquei o calção de jogo e meu kichute para simular que iria à
rua debaixo para jogar bola. Assim eu fiz e fiquei plantado na frente da casa
do moleque.
- Ele não saiu o dia todo de casa.
Voltei frustrado! Fui dormir pensando em fazer isso na saída
da escola então.
Durante os dois dias seguidos de aula nada do “alemão” na
escola e nem na rua. Meu plano estava furado, porque a minha raiva e crescente
ódio já não existira tanto assim.
Sei que no sábado tinha uma importante pelada na minha rua.
E joguei muito o dia todo, até muito tarde. Chegou um determinado momento que
resolvi sair da partida e avisei os caras que estava saindo, fui sentar-me no
meio fio.
Nessa hora, que não sei quanto tempo foi, porque eu estava igual
ao aquele garoto da foto da internet “reflitão da vida” senti uma sombra atrás
de mim a pedir:
- Posso jogar no seu lugar?
- Me virei para trás para ver quem era, porque aquela voz
não me era estranha.
Com quem eu me deparo?
- O “alemão” filha da puta.
Rapidamente pensei no parafuso, mas não estava comigo. Eu já
tinha deixado em casa, e não andava com ele mais. Comecei logo a me imaginar
apanhando ali, e os outros entrando na briga comigo. Não prestaria pra ninguém!
Mas tomei a decisão de responder:
- Po-pode! (gaguejei)
E assim ele entrou no campinho, jogou em meu lugar, depois
eu entrei no lugar de outro e joguei com ele e contra. Só sei que a cada gol
ele me abraçava. Só sei que a cada gol ele me elogiava. Durante aquele dia e em
outros também, eu nunca mais vi aquele garoto me perseguir Pelo contrário!
Ficou meu amigão do peito. Parecia outra pessoa. Parecia que um bicho tinha
saído dele, ele não falava nada de antes – eu também não!
Nunca pedi explicações, mas ao mesmo tempo parecia que ele
não se lembrava de nada. Até pela forma dele falar, como se tivesse me
conhecido aquele dia do jogo em diante.
Vai saber? Coisas, pessoas e lugares estranhos que eu vi e
vivi da minha vida.
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