segunda-feira, 4 de abril de 2016

Memórias de uma viagem para Recife




Eu hoje acordei nostálgico
Passei o dia todo me lembrando de coisas que fiz: umas boas e outras nem tantas. Mas foram ótimas lembranças.

Em particular, lembro-me de uma viagem para Recife na madrugada de sexta para sábado no ano de 2011. Foi quando conheci uma senhora de nome Elvira.  Nesse dia paguei a passagem e entrei no ônibus querendo só dormir a viagem toda. Era um período obscuro e transitório da minha vida...
Naquele tipo que só se consegue ver o chão e os pés.
Sentei no fundão, penúltima poltrona, ônibus lotado.
Após sentar e regular minha poltrona, percebi que uma senhora de cabelos brancos vinha para o fundão também. Sorridente, de bochechas rosadas, parecia uma vovó que cozinhava bolos e contava histórias
Um tipo de senhora elegante
Tipo vovó de desenho animado
Na verdade, verdadeira eu achava digna da expressão Carinha de algodão doce.
Ou de nuvem
Ela sentou-se ao meu lado e também foi logo se ajeitando e conversando ao mesmo tempo sozinha e comigo, quase como um prenúncio de uma conversa do tipo monólogo.

Eu admito que por pensamento, fui  me maldizendo.
- Logo hoje, que esta senhora vai ficar falando sem parar e puxando conversa?
Como de fato! Ela entrou enveredando sobre viagens, netos, a filha que morava em Recife e etc.
Eu aceitei  de cara que teria que falar e, portanto ouvir. Então a deixe falar com um sorriso no rosto, que não era de todo modo sincero,  fui escutando-a: dentre tantas coisas da sua vida, a cada pausa em que ela respirava, fazia um diagnóstico dos acontecimentos, garantindo ser muito feliz;  eu assimilava conhecimento e aprendizado por osmose.

Viúva a cinco anos, de um grande “companheiro” ela não discorria sobre amor, mas sim sobre dedicação conjunta.
O quanto foi feliz em ser conquistada pelo seu marido.
O quanto era feliz pelas duas filhas formadas, com ênfase no "formada" – própria da mãe orgulhosa pelas carreiras delas.
Falou sobre sua viuvez e consequente morte do esposo. Da forma como isso ocorreu, de como ele havia deixado amor na casa e na sua vida. 

Ela dizia:
- Sabe meu amigo, tu tens idade de ser meu filho, mas vou chamar de amigo, tá?
- Por sinal, você passa boa coisa para mim, me sinto calma e tranquila falando com você.
Eu que nem quase abrira a boca, só sorria e baixava a cabeça.

- Eu vou duas vezes por mês rever minhas filhas e netos.
- Até que eles querem muito ir me visitar, mas eu digo para eles, que não estou morta! Posso muito bem viajar, posso muito bem andar sozinha. Na minha idade essas viagens, são aventuras. A gente conhece pessoas, ver beleza, ver também muita coisa feia, mas é vida ativa. Eu sou ativa meu amigo.
E transcorreu tudo sobre a sua vida. Até que ela ficou calada e aguardou:
- Muito bem, agora é você né.
- Ri de novo – não tenho muito que falar não dona Elvira
- Não tem o que falar, mas tem muito que não dizer também. Não são suas palavras, é o olhar que me revela tudo meu amigo. Desembucha e tome sorrir para mim
Isso me desconcertou! Logo eu que leio tão bem as pessoas, virei vidraça.

Comecei contando pormenores, e terminei em doses cavalares de revelações. Ali duas pessoas completamente desconhecidas, gerações completamente distantes, agindo como amigos de longa data.

Dona Elvira, ouvira as minhas reclamações e confissões, assim como eu em silêncio – respeitando as pausas próprias de quem pensava sobre o que tinha revelado. Sorria como eu sorria, com a diferença que a altivez daquela enciclopédia viva de emoções, não se deixava abater e nem abaixar a cabeça, como eu fiz por diversas vezes. 

Dona Elvira não tinha arrependimentos mais para se arrepender
Não tinha medos, provenientes de dúvidas mesquinhas, próprias dos que pensam muito.
Não tinha nem mesmo remorso, pois fez com coerência de quem sabia o peso e o preço de cada atitude tomada.

O único se não, foi que ela disse que amou de menos o marido, ou pelo menos se expressou pouco em virtude da grande quantidade de admiração que ele tinha para com ela.
Mas, que ela tinha feito uma promessa  interior: revelaria sempre ao mundo tudo isso que recebeu dele. O valor dos filhos e da sua geração futura. O quanto foi e era feliz por ter tido um grande amigo como amor.
Sinto que minha vida recomeça aos setenta e poucos... E caiu na gargalhada (eu contar minha idade? Nuncaaa jamais!).
- Ahh  perdoe-me meu amigo, eu sou mulher e a gente nega certas coisas, não por não querer envelhecer, mas para ser um mistério de vez em quando na vida de alguém. 

- Toda minha vaidade é um luxo para ficar bonita para ele – e apontou para o Céu.

Chegamos logo em Recife, juro que nem pensei em mim mais. 
Se colocar como coadjuvante tem seu valor em certas horas da vida. Foi uma lição honrosa saber que podemos ser felizes a qualquer momento da vida. Desde que tudo tenha sido feito com qualidade de vida, o preço é suave e as lágrimas descem contadas, com moderação,  a dor vem e vai, mas o amor é para sempre na lembrança das pessoas.

Dona Elvira desceu primeira – pena que no meio das pessoas a perdi de vista.
Obrigado Elvira.

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