terça-feira, 5 de abril de 2016

Ensinaram-me a ouvir




Desde que fui aprendendo com a vida, entendi que ouvir faz parte do todo. Não há como crescer se não puder ouvir o em torno de você.

Quem muito me ensinou essa tarefa foi uma mulher. E entendo porque alguns homens têm medo de mulheres fortes, elas quando são dotadas do poder do domínio é algo insuperável.

Eu tinha 19 anos, e na flor da idade do namoro e da curtição. Esse período especifico foi o auge em todos os sentidos. Tinha meu próprio dinheiro, dono do meu nariz, saía com quem queria – como queria. Só não tinha carro, mas nessa época era algo ainda possível de se viver sem.

Eu frequentava aos sábados a igreja do bairro. De lá a gente após a missa decidia  para onde ir com os amigos. 

Ficava uma reunião de jovens na porta, que era até difícil encontrar algum canto para sentar. Então como bom cristão que eu era, ficava entre a entrada e a pracinha colada da igreja.

Num sábado desses qualquer, eu vi chegando três moças juntas para a missa. Dentre elas destacava-se uma que depois vi a namorar meio que escondido.

A Débora. 

Para dizer quem foi Débora, eu tenho que fazer referências que possam estar altura dela.
A gente se tornou amigos, namorados e confidentes. Nunca houve até então uma simbiose tão boa com uma pessoa quanto foi com ela.

Débora era uma mulher de 19 anos, assim como eu, já tinha ingressado na universidade. Fazia Sociologia. Era CDF das boas.

Todavia, eu não a conhecia até aquele dia, e boa parte do bairro também não. Era uma espécie de novata nem tanto. Morava há pelo menos dois anos no bairro, mas totalmente reclusa.

O pai era falecido, morava com a mãe, avó e um irmão mais novo.
Lógico que eu fui saber disso tudo, depois de várias conversas, até então eu só sabia que Débora era a menina de corpo mais bem desenhado e proporcional do mundo.

Ela tinha altura, peso, tipo físico: pernas e seios, cabelos lisos, rostinho liso, tudo simetricamente desenhado. Não tinha como não percebê-la. Usava sempre uma saia curta, que nem era propriamente mini e nem longa, mas que ficava perfeita nela. Pernas grossas, pés pequenos, eu simplesmente fiquei paradão nela.

O que destoava de Débora era o que talvez explicasse grande parte de sua solidão.
Ela sofreu uma violência doméstica. E conquanto fosse tudo quase perfeito nela, a mesma tinha altos indicies de astigmatismo e certa cegueira que lhe obrigava a usar óculos que a gente chamava de fundo de garrafa. Era muito grosso mesmo. Com o tempo eu já saía com ela de lentes, mas no principio era os óculos.

Débora, como de primeira abordagem era introspectiva, difícil de se aproximar, mas tinha uma meiguice ímpar até hoje não conheci ninguém perto.

Contrastava os problemas emocionais  com sua capacidade de ser tão BOA PESSOA.

Não vou dizer que ela tinha baixa estima, porque apesar de aparentar – isso nunca existiu de fato.

Depois de conversas com as duas amigas que acompanharam ela na missa, eu conseguir obter o telefone , procurei por dias falar. Eu ligava e ela falava pouco, e depois ela pedia licença e saía para estudar.
Logicamente passei a procurar nas missas. E assim começamos uma amizade.
A gente se falava todos os dias. Pelo menos uma hora no telefone.

Débora além de universitária era professora para crianças e sexagenários. Praticava isso de coração, sem ganhos mensais nenhum. Estudava pela manhã, lecionava a tarde e noite.

Eu que até então só sabia sair, beber, viajar, correr, treinar, curtir próprio da minha idade, passei a prestar muito atenção na vida dela.  O que me fazia diferente dos demais jovens, é que eu trabalhava o dia todo e também estudava à noite. Os meus finais de semana eram a válvula de escape. 

Eu já tinha tido 03 namoradas, não estava procurando me apegar naquele momento.
Mas, com ela tínhamos uma ligação forte.

Débora é e acho que sempre será uma força da natureza de ótima energia. Nunca vi brigar. Nunca vi perder a calma por longo tempo. Nunca senti nela queixas ou coisas de TPM.

Um não dela significa isso mesmo: Não!

Mas, nunca foi um não indulgente. Prepotente do tipo que só as mulheres sabem colocar.
Um não dela significa um não suave, doce. Daquele que pede desculpas antecipadamente. Com a promessa de tudo mudar no futuro.

Foi com ela que aprendi a ir ao teatro. Tomar café expresso. Estudar sobre historia antiga.
A gente ia ao cinema todos os finais semanas, que tinha novidade.

Eu confesso que minha sapiência era colocada no chinelo, mediante aquela mulher inteligente. Madura, esclarecida que me deixava sem ação.

Nunca tive poder de convencimento com Débora. Não havia questões a serem ganhas – eu perdia todas as batalhas. De alguma forma ela sabia explicar os conceitos do por que isso ou não pode isso, até que eu via de fato as coisas claramente.

A gente quando combinava pra sair, não tinha isso de atraso feminino obrigatório. Se fosse às 13:30 no cinema Municipal, perigava eu chegar atrasado, mas ela não
.
Nunca entrei na sua casa, ela pedia descrição, tinha medo que a mãe achasse que ela não se formaria por se envolver com alguém. Todavia, eu nunca tive impedimento de ir a qualquer lugar ou chegar de qualquer hora para deixa-la em casa.

Se fôssemos que ir ao teatro, e retornar às 23:00, assim era feito.
Ela não me questionava, nem os lugares que eu escolhia.
Como também não questionava amizades
Não me perguntava nada de impessoal
Não fazia cobranças, tinha ciúmes sim, mas era sempre um do tipo que saía da boca dela engraçado: “sei hummmmm”.
As risadas eram nossas companheiras. Não havia jogos mentais.
A gente não fazia guerra de vaidades. Simplesmente foi leve e foi aprendizado

Talvez com sete meses que a gente se conheceu e ficou saindo, eu não lembre de nada que tenha me feito sentir abaixo dela.
Lembro bem que quando ela queria explicar alguma coisa, me pegava pelo braço e deitava a cabeça no ombro, me fazia sentir importante, enquanto me ensinava algo, assim como era para seus alunos.

O poder que emanava daquela moça era do coração. A força estava em como ela transformava vida em conceito.  Confesso aqui hoje que por diversas vezes, minha maior razão era de ouvir mesmo. Ficaria horas e horas ouvindo cada frase solta ao esmo.

Durante esse tempo todo junto, lógico que vi as lentes de contatos surgirem e sua radiante felicidade. Vi ela desabrochar como mulher, e sua espetacular metamorfose, mas vi também eu me colocar ao lado, como alguém imprescindível, mas que tinha total liberdade de ir ou ficar.

Débora não falava de amor, muito menos de jargões carinhosos, próprios dos enamorados. Por sinal nunca nos descrevemos assim: apaixonados ou namorados. Eu sumi dos amigos, por pura atração ao intelecto e a magnitude daquela moça com cara de princesa, mas que comandava como uma rainha. Eu admito até que certas feitas eu queria comandar. Mas, não era necessário, quando ela me via inquieto com algo, ela me abraçava forte, quase me preenchendo de luz e atenção. Era tão imensamente forte que perdia a vontade de ousar discordar. 

Ela falava com paixão dos alunos. Descrevia sua vida familiar com amor. Nunca se fez de vítima. E apesar de nunca termos transado, não era por medo ou por resignação que isso não ocorreu. Até tivemos perto. Mas a gente se gostava de maneira diferente. Era muito maior.
Não virei príncipe.  Não fiquei maduro.
Nem mesmo soube assimilar tudo isso na época. Até porque logo depois eu fui saindo da vida dela aos poucos, voltando à velha forma do guerreiro que queria viver livre.
Ela me procurou umas duas vezes, mas entendia meu silêncio e assim foi também se afastando.
Com toda certeza se tenho alguém que eu me arrependo de não ter tentando foi com Débora.
Porque hoje sei o que sei, muito graças essa mulher forte e meiga. Deu-me a capacidade de ouvir com atenção e respeito que a pessoa merece.
Assim como eu era respeitado, aprendi a devolver as flores do conhecimento.


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