Chegou uma senhorinha septuagenária para contratar um
serviço meu, durante dois dias tivemos longo contato, e ao fazer o serviço encomendado,
ficamos nos conhecendo mais profundamente, porque era um tipo de homenagem que
ela estaria fazendo para o aniversário de seu marido, outro septuagenário... Na
conversa ela acabou discorrendo sobre sua vida e confidenciados coisas que só
nesta idade temos a coragem de contar. Até porque todo mundo que se acha mais
novo tem medo da sinceridade, melindrados que somos com a possibilidade de
perder algo que nunca asseguramos ter.
Lá pelas tantas, ela confessa: - “Casei-me pela
conveniência, acho que nunca amei meu companheiro...”. Achei forte, fiquei
impactado com essa declaração, mas resolvi disfarçar amenizando com
frivolidades de uma conversa mais amena. Todavia, minha mente fervia, tentei
analisar esse contexto, logo eu que sou contra hipocrisia, ameaçava desmerecer
todo aquele trabalho. Ela, como que lendo minha mente, mesmo sem querer,
continuou a relatar fatos e coisas do cotidiano, revelando pequenos detalhes que
culminou com uma grande verdade: Nós somos o produto do meio, quando deixamos
que as coisas nos modifiquem.
Entretanto, nasceu à esperança, ouvida em cada frase que ela
remetia, guiando-me junto na profundidade de sua vida, despejando à minha
frente o quanto admirava o marido, o quanto ele dava liberdade para sua vida,
contou que quando chegava das suas viagens o marido sempre preparava um jantar
especial para ela, seus passeios noturnos, suas corridas matutinas, dias de
banco de praça, conversas longas e demoradamente regadas a bom vinho, esta
minha cliente contou até coisas em que ele a fazia rir de doer à barriga. Eu
pensei: - Ora, isso é amor! Mas, ela não sabia ainda - e assim como muitos de
nós que aprendemos a nomear as coisas pelas aparências e pelo valor que a
sociedade exige em tudo que tem um nome pomposo. Dizer que ama é mais forte que
sentir que ama, é a única verdade cínica que conheço. Queremos que as pessoas
nos nomeiem como o único amor delas; sem se importar com o fato que podemos
virar apenas uma página na história da vida dela. Sem direito a menção ou uma
canção que lembre. A maior declaração de amor possível ela já tinha dado, ela
sabia tudo sobre ele, sabia que isso era importante dizer, sabia e sentia falta
quando não estava perto. Pena que o resto da humanidade só descobre no fim.
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