quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Ela não sabia o que era o amor...



Chegou uma senhorinha septuagenária para contratar um serviço meu, durante dois dias tivemos longo contato, e ao fazer o serviço encomendado, ficamos nos conhecendo mais profundamente, porque era um tipo de homenagem que ela estaria fazendo para o aniversário de seu marido, outro septuagenário... Na conversa ela acabou discorrendo sobre sua vida e confidenciados coisas que só nesta idade temos a coragem de contar. Até porque todo mundo que se acha mais novo tem medo da sinceridade, melindrados que somos com a possibilidade de perder algo que nunca asseguramos ter.  
Lá pelas tantas, ela confessa: - “Casei-me pela conveniência, acho que nunca amei meu companheiro...”. Achei forte, fiquei impactado com essa declaração, mas resolvi disfarçar amenizando com frivolidades de uma conversa mais amena. Todavia, minha mente fervia, tentei analisar esse contexto, logo eu que sou contra hipocrisia, ameaçava desmerecer todo aquele trabalho. Ela, como que lendo minha mente, mesmo sem querer, continuou a relatar fatos e coisas do cotidiano, revelando pequenos detalhes que culminou com uma grande verdade: Nós somos o produto do meio, quando deixamos que as coisas nos modifiquem.
Entretanto, nasceu à esperança, ouvida em cada frase que ela remetia, guiando-me junto na profundidade de sua vida, despejando à minha frente o quanto admirava o marido, o quanto ele dava liberdade para sua vida, contou que quando chegava das suas viagens o marido sempre preparava um jantar especial para ela, seus passeios noturnos, suas corridas matutinas, dias de banco de praça, conversas longas e demoradamente regadas a bom vinho, esta minha cliente contou até coisas em que ele a fazia rir de doer à barriga. Eu pensei: - Ora, isso é amor! Mas, ela não sabia ainda - e assim como muitos de nós que aprendemos a nomear as coisas pelas aparências e pelo valor que a sociedade exige em tudo que tem um nome pomposo. Dizer que ama é mais forte que sentir que ama, é a única verdade cínica que conheço. Queremos que as pessoas nos nomeiem como o único amor delas; sem se importar com o fato que podemos virar apenas uma página na história da vida dela. Sem direito a menção ou uma canção que lembre. A maior declaração de amor possível ela já tinha dado, ela sabia tudo sobre ele, sabia que isso era importante dizer, sabia e sentia falta quando não estava perto. Pena que o resto da humanidade só descobre no fim.

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