Um escritor consagrado, de oitenta anos, volta para sua cidade natal. Um pequeno município de 15 mil habitantes. Seus pais já morreram.
Ele demorou duas décadas para regressar. Era o beneficiário da casa abandonada, mas ele não deu importância ao inventário. Não vendeu, muito menos habitou.
De barbas brancas e sobrancelhas acompanhando a velhice, Luiggi embarcou numa carruagem rumo ao bairro de sua infância.
O cocheiro puxava assunto:
— De volta, mestre?
O escritor, absolutamente amargo, respondia contrariado:
— Sim, depois de muito tempo.
— Continua escrevendo?, o cocheiro parecia conhecê-lo, mas o autor não lembrava da onde, os traços não abriam o envelope do nome.
— Não, parei. Já fui muito apaixonado.
— E não se apaixona mais?
— Não, estou na idade de lembrar as paixões, não mais de vivê-las.
Ao se postar na frente da residência amarela de esquina, Luiggi solicitou que o cocheiro esperasse um pouco, somente iria tomar alguns minutos.
O cocheiro travou os cavalos.
Luiggi abriu a porta enferrujada. Todos os móveis estavam cobertos por lençóis brancos, inclusive o espelho.
A poeira dançou pelo lustre com o visitante. As traças se enganaram e cobriram a luz como se fosse um verão repentino.
Ele subiu ao segundo andar, ao quarto de sua mãe, e desemperrou as venezianas.
Ao puxar para fora as tramelas, veio uma braçada violenta da laranjeira para dentro do ambiente.
A laranjeira abraçava o filho pródigo. Estava reprimida há muito tempo esperando seu regresso.
Colheu uma laranja do alto dos galhos, sentou na cadeira de balanço materna e descascou lentamente a fruta com o canivete; a casca desceu em espiral, como novelo de lã. Permaneceu sentado durante algum tempo conversando com seus fantasmas, pedindo desculpa pela demora, justificando o abandono.
Não saía de sua cabeça quem era o cocheiro. Aquela afetuosidade antiga, aquela intimidade que desconhecia a origem.
Quando deu as costas para a casa, orientou o cocheiro a deixá-lo na estação.
Enquanto atravessavam a estrada, o cocheiro murchou, entristeceu, as lamparinas dos olhos apagadas pelo vento forte.
— O que houve?, questionou Luiggi.
— Não me reconheceu mesmo, né?
— Sinto muito, não lembro quem você é.
Luiggi se encaminhou com sua mala para o trem. O cocheiro gravemente abatido se despediu e atiçou a parelha ao redemoinho das ruas.
Foi quando o romancista teve um acesso de lucidez e se recordou da fisionomia do cocheiro.
Despencou com sua mala gritando pela calçada, desesperado de ternura, mas o cocheiro havia se afastado excessivamente para virar o pescoço.
Os berros explodiram em vão, atrasados:
— Pietro! Pietro! Pietro!
Pietro era o protagonista de seus romances. Ele não reconheceu o seu próprio personagem. O rosto que idealizou, o rosto que nasceu de sua imaginação. Não identificou quem ele mesmo criara em várias novelas.
É assim que somos com o amor. Demoramos a perceber o nosso sonho quando surge em carne e osso. Não acreditamos que ele virá nos buscar.
E terminamos por chamar aquele que amamos de volta quando já está longe demais para ouvir.
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