terça-feira, 5 de julho de 2016

Por interesse ...




Minha adolescência, minha lição do dia e da vida.
Eu tinha mais ou menos 14 ou 15 anos, e estava afim de uma garota de mesma idade na minha rua.
Naquele tempo eu  ficava depois da aula feito bobo andando pela rua, até que ela aparecesse na porta, pelo menos para jogar o lixo fora. Quando ela me percebia, acenava e sorria e logo entrava, e assim foram muitas vezes, por diversos meses. Até que um dia no feriado desses da vida, eu estava na sua casa conversando animadamente, até que ouvi a mãe dela reclamando lá dentro na cozinha, que o gás do botijão havia acabado; e nessa época não tinha entrega em casa, a gente esperava pelo caminhão do gás passar no bairro duas vezes por semana, e assim comprava direito dele. Caso contrário era ir buscar no depósito mesmo. Como eu sabia que o depósito de gás era uns 800 metros de onde eu morava, me ofereci todo “hominho” para a senhora sua mãe. Logo de primeira ela aceitou, fazendo toda feliz a menina que eu gostava. Não me fiz de rogado, joguei o botijão vazio nas costas e fui lá comprar...
Logo na ida, na metade do percurso eu já senti um incomodo com o peso, mas tudo certo cheguei bem na porta do depósito, pedi o gás e paguei; não sem antes do cara perguntar, trouxe o carrinho de mão?
- Que carrinho?
- Meu fi, isso pesa 13 quilos, tu vai levar nas costas até em casa?
- Vou sim, sim senhor!
- Beleza balão, vai lá...
E assim eu fui com ele nas costas, não sem antes sentir as costas queimarem de dor e cansaço em todo o trajeto. Mas, se fosse só isso tudo bem, no caminho eu vi meu pai que estava numa banca comprando legumes para minha mãe e já tinha me visto indo e voltando com esse botijão. Ele nada disse, só acenou a cabeça e eu passei por ele calado na pista de baixo.
- Cheguei
- ôoo obrigado menino, disse a mãe da moça.
- Deus lhe pague!
E pagou mesmo, depois, muito depois.
Continuei o papo, recebi água, suado, fiquei apenas uns 10 minutos, porque a mãe dela mandou entrar e se despedir de mim.
Três meses se passaram, e num outro feriado eu estava morgado em casa, esperando o sol de meio dia baixar, para sair e ir ver uns colegas, quando minha mãe esbravejou com raiva, porque o gás tinha acabado. E não mais do que de pressa ela me chamou para ir comprar o gás.
- Vai lá meu filho, compre pra mim o gás acabou e o almoço estava no meio, vou perder os legumes.
- Ahhh mãe, por que eu?
E tome a ladainha toda que coloquei pra fora tentando protelar o serviço, fui até à rua de casa para simular algo de quem estava ocupado...
Quando vejo meu pai que tinha na época 77 anos, pegar o mesmo botijão e colocar nas costas, calado indo comprar, fazendo aquele mesmo percurso que fiz meses antes. Todavia eu resolvi ir junto, pedindo para levar em seu lugar , mas ele não disse uma só palavra, manteve os passos firmes e eu no encalço.  No caminho eu lembrei que ele me viu naquele dia, e me senti envergonhado, mas também fiquei mudo, só seguindo seus passos e observando se ele não ficava cansado. Meu pai chegou, pediu o gás, pagou e jogou-o nas costas e meteu os pés rumo para casa, eu lá do seu lado, dessa vez eu pedi muito para levar o botijão, argumentando que ele iria se machucar ou cansar demais...
- Não, eu levo, sem problema...
E assim chegamos os dois em casa, meu pai colocou o gás no lugar, religou e deixou minha mãe contente, mas antes lógico levei um pito dela: - Como você deixa seu pai na idade dele fazer isso? Faz isso não meu filho!
Meu pai foi para varanda, sentou na cadeira de balanço, copo de água na mão, bebia calado, solvendo como se tivesse recuperando forças de onde jamais pensou que tivesse. Preparei-me para o sermão das montanhas dele; mas não ocorreu! Ele falou comigo, não com jeito ou cara de bravo, nada disso, ela estava até muito sereno e bem. Meu pai não teve estudos, nem educação privilegiado de ninguém, mas sempre foi um homem de bem como valores seguros, digno de se escutar.
- Meu filho, isso que eu fiz foi para você entender que a gente não deve esperar nada dos outros. A gente vai e faz sem perguntar; se você continuar escolhendo seguir esse seu caminho, fazendo tudo por interesse  - é um caminho sem volta.
Fiquei calado ao seu lado, dentro de mim quis chorar, porque foi mais dolorido que uma bronca a lição dele – ficamos em silêncio os dois... não sei precisar quanto tempo, nem sei o que fez ele me puxar de lado e me dar um beijo na cabeça; mas sei que ele disse: - Vá  dar uma volta, veja seus colegas, depois você pensa nisso quando for adulto.
E... eu esqueci por acaso?

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