sábado, 23 de novembro de 2019

O Menino que falava com seus sonhos.


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O Menino que falava com seus sonhos.
Eu era garoto, estudava em uma escola pública na capital de SP, e como filho de nordestinos, sofria bullyng diário, uma condição que te tornaria no futuro forte ou fraco, não há meio termo. Eu sofria muito, mas mesmo assim haviam meninos que sofriam mais, alguns estudavam comigo, partilhavam dos mesmos problemas e das mesmas condições, mas um em especial... Era o Renatinho. Ele era órfão de pai e mãe. Só conviveu com a mãe até os cinco anos; o pai nunca viu, e a avó era tudo que ele tinha. Cada dia que a gente ia para escola, eu me sentava ao lado dele ( carteira à carteira ). Eu conversava muito em sala de aula, muitas vezes repreendido, mas ele não! Nem por isso eu era menos estudioso e nem por isso ele menos capacitado. Mas, confesso que em época de provas, eu estudava e me preocupava com ele também, até porque, ele era muito tímido... A gente saía no intervalo para brincar, ele jogava bola, corria conosco, mas só dizia algo, se você puxasse assunto; e mesmo assim terminava no momento que não tivessem mais perguntas.
Eu sabia da sua história, porque na hora do lanche, eu abria minha lancheira e dividia meu pão com ovo cozido e café com leite. Neste instante, ele fitava o horizonte, como quem quisesse buscar na memória uma sensação gostosa, um perfume ou mesmo a voz de quem lhe fora muito caro em sua curta vida - dava para sentir no peito, cada segundo do seu silêncio. Eu que também me sentia solitário a maioria das vezes, não me sentia tão triste, como olhar daquele menino. Uma criança sem imaginação será um adulto amargurado para todo sempre.
Cansamos de estudar juntos e tirarmos notas parecidas, competíamos como verdadeiros rivais pela atenção dos professores, ano após ano no primário, mas nunca brigávamos. Se tivesse pão com ovo para dividir com ele, tudo bem... Se não tivesse, tudo bem também! Sua avó era bem pobre, e não dava para dar a ele quase nada, mesmo assim, não reclamava da vida, por sinal - nunca o via reclamar! Contei nos dedos o sorriso que nascia de seus lábios. Muitas vezes era ao fazer um gol e toda molecada corria para abraçá-lo, interagindo com ele, como quem premia alguém com uma medalha de honra. Para ele, esta era a sensação que o mantinha inserido no contexto da sua infância, vibrava a cada vez que alguém dava dois minutos de atenção, para muitos outros dias de total ostracismo. Renatinho desenhava nas paredes do muro da escola seus pais, de longe eu respeitava a cena, mesmo eu sabendo pouco da vida, muito pouco mesmo - eu compreendia que ele estava imaginando como quem voa alto em seus pensamentos, assim como eu em minhas muitas horas de solidão na rua, compreendia o valor de seu gesto, de seu desenho e sabia que ali ele conversava com pessoas imaginárias, tão imensamente importantes para ele, tanto quanto o ar é para nós respirar, falar com seus pais era seu motivo de alegria.


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