segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Quem deveria morrer numa Quinta Feira?

instituto de medicina legal de coimbra<br />cadaver<br />camara frigorifica<br />leonel de castro<br />31/10/03

Outro dia, sai do meu segundo trabalho faltando 15 para meia-noite, para tomar direção do pátio, pegar meu carro e ir para casa. Como algumas pessoas sabem, trabalho em um hospital Municipal local. Este hospital é especializado em Traumas e ocorrências de Urgência. : Acidentes de trânsitos, acidentes leves, graves, ferimentos por armas de impacto ou corte e outros...

Minha função é cuidar de informatizar determinada ALA do hospital que administra as saídas de medicamentos e produtos hospitalares. Digito as entradas e saídas e sou responsável pelo banco de dados. Meu setor é colado com o Necrotério, dividimos mesma parede, portanto quase sempre ouço os “defuntos” chegando, carinhosamente trazidos pelos maqueiros. Toda vez que escuto um “TUM” é sinal que um foi colocado na” PEDRA”.

Mês passado digitei 27 sacos de óbitos, o que pode significar algo próximo de pessoas que usaram essa ultima vestimenta terrestre.

Quase sempre, digitamos no decorrer do dia, medicamentos que vão salvar esse paciente, como também sabemos que o medicamento não surtiu efeito ou chegou atrasado, devido à falta do mesmo no Almoxarifado do Governo. O que pode levar a mais um óbito ou não. Sempre estamos com a corda no pescoço, porque sabemos que uma vida esta quase todo momento por um fio. E acredite! Não estamos sendo semânticos não!

Fio de sutura especial, para procedimentos especiais de costura de órgãos internos, pode vir a faltar e isso ser um fator primordial para a vida deste ou daquele. Não tem um só funcionário de hospital que eu vi até hoje fazer corpo mole nessas horas. Mas não podemos ser perfeitos, melhor dizendo eles não podem ser perfeitos sempre, já que não sou da área “essencial” à vida.

Aconteceu que nessa quinta feira, depois do feriado de finados 03/11/2011, particularmente, eu vi um defunto que ao ser trazido da sala de cirurgia, estava parcialmente coberto pelo saco de óbito com um braço levantado acima do peito, paralisado, como se tivesse sofrido uma parada cardíaca instantânea; ou mesmo uma morte traumática. Eu sabia que o mesmo era vitima de acidente de moto; portanto achei que aquela posição estranha se deu pelo fato do mesmo já estar morto quando deu entrada, nenhum enfermeiro, o deixaria naquela posição estranha na mesa de cirurgia.

Quando ele passou colado por mim na maca, os maqueiros, como de costume anunciavam pelo corredor a aproximação da maca e deles, para afastar as pessoas “Sensíveis” do corredor.

Eu não detive meu passo, apenas continuei vendo o “cortejo” de dois maqueiros passando e avisando em tom alto:” – Olha a passagem!”.

Eu me senti mal para caramba! Senti uma profunda tristeza por aquele ser humano “jaz morto”. Mesmo sendo espírita, me choco às vezes com isso. Fui caminhando para o pátio dos carros, com pesar e profundo aperto no coração. Pergutando-me: - Quem morre na quinta feira? Por que o mundo não para? Como é que de uma hora para outra você deixa de existir?

Vários pensamentos filosóficos me passavam pela mente. Até que quando estou saindo pela porteira do estacionamento, vejo o vigia conversando com uma senhora no lado de fora do hospital, ela ainda não havia entrado e estava discorrendo sobre tal acidente que ela veio ver a pessoa.

O vigia que me conhecia, chegou próximo de mim e perguntou:

- “Ei, e o cara do acidente da moto?”

- Eu disse: Eu vi passando agora no saco de óbito!

O vigia parou, olhou para a senhora e deixou-a entrar, sem dizer por ele mesmo a noticia.

Eu, assim que percebi a coisa, me calei e fiquei vendo pelo retrovisor do carro, aquela senhora se dirigindo para a recepção, buscar informação de alguém que penso eu -  ela achava se tratar apenas de um acidente qualquer e não um acidente fatal.

O cara estava ali já mais de 5 horas e ninguém até a sua morte tinha chegado.

Como seria morrer num dia tolo, numa noite tola, sozinho, e sem ninguém à saber de você?

Sai pior do que tava no corredor, perguntando tudo isso...

COMO É QUE SE MORRE NUMA QUINTA FEIRA?

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