terça-feira, 3 de abril de 2018

A morte de Nina...

Texto de Luciana Miranda: Perita do IML da PB
A morte de Nina...
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São quase cinco horas da manhã, logo mais pego a estrada de volta a JP após mais um dia duro de trabalho, deveria dormir, mas preciso fazer essa singela homenagem a Nina, para que tudo que aconteceu com ela, não fique completamente esquecido, pelo menos eu não vou esquecer...
Sei que não terão manifestações na internet, Nina presente, afinal, acredito que ela era invisível quando em vida, certamente continuará invisível em morte, mas não para mim...
Cada um faz o que pode, uns adotam em vida, eu a adotei em morte.
E assim conheci Nina: Perícia acionada por volta das 20h, enquanto eu realizava um duplo homicídio bastante divulgado pela imprensa local.

Cansada, torci pela nova ocorrência não ser muito longe, nem muito complicada, mal sabia eu do nível de envolvimento emocional que ela me traria.
Seguimos para o endereço declinado e chegamos as margens de uma BR, estava escuro, noite fria, sem lua, chuviscava vez por outra.
Olhei para baixo, era um Terreno, uma descida íngreme, terra solta, molhada, escorregadia, muito Mato, pensei na minha segurança, pensei nos filhos que preciso acabar de criar, solicitei apoio aos Bombeiros, não conseguiríamos resgatar o cadáver sem o apoio dos Anjos da Guarda.
Um colega da Delegacia de Homicídios prometeu servir me de apoio na descida, garantiu me levar me segura até o local, decidi descer com ele, na Polícia n se tem muita opção, é necessário confiar nos nossos iguais.
Peguei o material e começamos a descida, ele mais embaixo e eu quase pendurada nas costas dele, ainda bem que arranjei um colega forte o suficiente para me segurar (abro parêntese para fazer um pouco de inveja às amigas, eu estava muitooo bem segura, tá?), descíamos e escorregávamos, nos apoiando um no outro.
No caminho descobri que a população utilizava o terreno para depósito de lixo, sacolas, latas, resto de todo tipo de objeto....Nina foi descartada como lixo!
Encontro o primeiro vestígio de Nina, uma sandália feminina, pé pequeno, devia calçar 35, como eu; tratava se de uma sandália estilo Havaianas, mas com tiras duplas, cinza, tão delicada qt a dona dela, que eu estava prestes a conhecer.
A sandália encontrava se emborcada, primeiro sinal que alguém arrastara Nina ate la embaixo.
Descemos mais, deparo me com um preservativo masculino usado, achei um péssimo indício. 
Chego na parte baixa do Terreno, molhado e irregular e lá estava ela; Apresentava se deitada em decúbito dorsal, braços flectidos, próximos ao corpo, mãos em garra, olho suas Unhas, eram grandes e mal cuidadas, a posição das pernas me fazia ainda mais acreditar no que eu não gostaria de crer.
Ela era linda, desculpem os muito católicos, não tenho intenção de ofender, a mim mais parecia uma santa.
Era morena, de uma cor jambo, cabelos curtinhos, brilhosos, negros como as jabuticabas, nariz afilado, rosto também, sobrancelhas bem delineadas, lábios grossos, boca e olhos fechados, cílios longos, rosto voltado para o Horizonte, parecia que dormia, dormia o sono dos justos, dos inocentes, dos de alma limpa.
Tinha a minha altura, mas era magra, longilínea, não sei que idade tinha, acredito que tinha algo perto dos 25, uma tatuagem com um beija flor, me confundiu....ninguém tatua mais beija Flores, há mais de quinze anos as mulheres deixaram de tatuar coisinhas delicadas, será que Nina teria 30 anos?
Ela se vestia diferente, usava um vestido tomara que caia longo e folgado, um cinto com elástico e pedraria, um sutiã bege, uma blusa Preta, um pulôver e um cachecol preto enrolado no pescoço; Por baixo disso tudo ela usava uma anágua Preta, lembrei-me da minha avó e pensei, será que estou louca? Será que Nina era portadora de problemas mentais? Será que era hippie? Moradora de Rua? N sei!
Preciso constar que as roupas usadas por Nina, nada tinham de sexy ou provocante, então, nem os machistas podem usar seu argumento baixo de que ela provocou.
A pele e o cabelo bem cuidados não eram compatíveis com os pés rachados e unhas sujas, os pelos por fazer, também eram fora de padrão, seria Nina uma feminista?
Prosseguimos o exame e mais um indício muito triste, Nina estava sem roupa íntima, infelizmente minhas suspeitas começavam a se confirmar.
Pendurado num galho de Mato, enxergo o involucro de um preservativo feminino, aberto, recolho o para exame, juntamente com o, masculino que havia achado antes.
A perícia dá conta que ela estava ali, morta e sozinha há pelo menos 24h.
Recolhemos Nina, não havia sinais externos extensos de violência, apenas percebo o cachecol dado muitas voltas em torno do pescoço, além de muito apertado. 
Peço para folgarem no e visualizo um sulco, em mim já existia a quase certeza de tudo que aconteceu a Nina.
Olhava para ela e me sentia familiarizada ao seu sofrimento, n sei se o afeto se deu em virtude dela parecer fisicamente com duas amigas muito queridas, ou mesmo sem saber o porquê me sentir semelhante a ela.
Dizem que o que nós gostamos nos outros, nada mais é que o reflexo das nossas semelhanças.
Dia seguinte, após anos sem ir numa sala de necropsia, acordei logo cedo para ir ver Nina e sua necropsia. 
Após receber autorização, integrei o grupo daqueles que fariam aquela importante e árdua tarefa, porém decisiva para sabermos como foram os últimos momentos de Nina nesta encarnação.
Abro um parêntese aqui para tentar entender como em meio a demonstração real da importância do IML, da Perícia como um todo, permanecemos com o IPC de João Pessoa fechado e sem nenhuma demonstração de interesse político para resolver a questão . 
Voltemos a Nina...meu segundo encontro com ela não foi menos chocante, lá estava ela, inerte sobre a mesa de inox gelada, conservava o mesmo semblante de serenidade com que a encontrei no meio do Mato.
Não posso revelar o resultado da necropsia, mas posso dizer que Nina ainda tinha dentinhos de leite (por isso o nome que dei a ela, abreviação de Menina), também posso dizer que levantou se a hipótese dela ser deficiente visual.
Recolhi o cachecol, solicitei exame de coleta de material biológico e estou torcendo para que quem fez aquilo com ela, seja preso e pague cada momento de angústia a que ele a submeteu . 
Quanto a mim, irei procurar saber notícias de Nina a cada plantão, saber se a família a encontrou e tentar descobrir quem era Nina.
Caso a família não apareça, aguardarei o período legal e vou cobrar um enterro com a dignidade merecida, faço questão de comparecer, levarei velas, flores, preces, só não levarei a paz no semblante que Nina estampava mesmo depois dos horrores a que foi submetida, ao contrário, levarei minha cara de indignação por morar num país onde sacrificamos as Ninas e defendemos os bandidos...
Bom dia! Nina presente!
 Parenteses do autor do blog:

Vinte e sete anos de espiritismo, um irmão morto em circunstâncias similares, mas não parecidas quanto a sua, e depois de ler diversos relatos e até ouvir... ouvir? É... isso fica para um dia quem sabe, vi na narrativa espírita algo bem próximo do que você contou. Que fique claro não é justificativa : Só reflexão mesmo! Ouvi ( digo li...quem sabe vi rsrs ) um relato de uma moça que foi morta e possuía em vída certo grau de autismo, cuidava-se bem, era linda e etc, tinha muito gente envolta cuidando, mas ao mesmo tempo amando, porque ela sabia se cuidar (preservando as devidas necessidades ), até que um Tio muito querido da família, passou a vê-la com olhos mais aguçados. Ao tempo que se formava como mulher, exalava feminilidade e lógico atraia os homens, mas ela não tinha nenhuma intenção ou ação para dar respaldo aos interesses, era " na dela " gostava muito de novelas, desenhar e bordar. Mas, como luciana narrou : " se vestia mal "; parte que a mãe tinha essa preocupação de não atrair os homens, parte que a mãe achava que na religião Deus " cura " autismo, sendo qualquer grau... Enfim, vamos ao principal: A cada dia que passava, seu tio mais e mais se aproximava, e já era o faz tudo da família por ela. Desde médicos, a passeios, era o homem que amava a sobrinha loucamente ( muito louco mesmo ), todavia esse amor não era "correspondido " com tamanha intensidade. Então, perto de perda toda a razão, ele começou aos poucos molestá-la, de um jeito que a incomodava, mas não era o suficiente para ela contar para os pais e a família. Daí em um dia de bastante sol, para um passeio ele foi levá-la e em um bosque fez piquenique. O dia estendeu-se até quase anoitecer e perto de ir ele a levou para um derradeiro passeio mata dentro, com a intenção de contá-la o que sentia. Sabemos, pulando o trágico final, que ele a enforcou no ato do sexo forçado e contou a família que foi vítima de um maníaco desses que o acertou na cabeça, vindo atordoá-lo, ( ele fez em si mesmo o machucado ), infelizmente, de novo esse crime nunca foi revelado quem foi. Mas no mundo espiritual, ela soube que um dos planos era se tornar " invisível " nessa vida. Muito por ter tido uma outra totalmente avessa a esta escolhida, com muitos erros, muitos casamentos, " viuva-mortal " era seu apelido na vida anterior. Um dos maiores foi ter feito o irmão se apaixonar ao ponto de virarem amantes, e ele ter participado dos crimes, para juntos perpetuarem riqueza, sexo e amor a cada novo intervalo de um casamento a outro. Adivinha quem era o tio?